segunda-feira, março 13, 2006
Quantas vezes não ouvimos os mais velhos a dizer de dedo em riste - “No meu tempo não era assim!” – Seguido das histórias do tempo em que eram crianças.
Já as ouvimos vezes sem conta enquanto mandamos aquele olhar reprovador que os tempos são outros.
Sim, é verdade, os tempos são outros.
Passamos pela fase em que ainda não temos descendentes e olhamos para as situações de birra e exigência dos filhos dos outros e murmuramos por dentro “ai se fosse meu!”. Depois temos filhos e fazemos igual ou pior.
E porquê? Porque é que os pais de outrora tanto disciplinavam e exigiam respeito e nós cedemos na busca do amor? Não se falava de qualquer maneira para os pais em conformidade com o respeito, hoje com 6 anos eles dizem que nós somos “dah” e achamos piada.
Poderia agora dizer um sem número de recalcamentos e citar mais umas quantas psicologias, mas não é por aí que quero ir. Poderia falar do tempo e da falta de tempo que hoje em dia um casal tem para um filho, mas também não acho que seja por aí.
Tudo bem, cada caso é um caso.
De um modo generalista, há umas décadas a mãe estava em casa e o pai trabalhava. O pai era a figura do respeito, a mãe mandava mas caso não surtisse efeito, bastava uma queixa ao pai que ele resolvia. Como deveriam já constar algumas “porradas” na contabilidade de cada um (pelo menos na minha constavam), bastava o pai elevar a voz ou perguntar “como é que é?” para uma obediência imediata. A mãe, no final fazia também um bocado de agente duplo, pois tanto recorria ao pai quando precisava, como encobria certas coisas para safar o filho, mas com a reprimenda “olha que para a próxima não te safo”. E nós jogávamos, mas com cuidado, não fosse a “jurisdição” cair-nos em cima. Mas existia alguma conformidade. Existia o respeito, o “não”, “Olha como falas” e o “tens de dar valor às coisas”. Disciplinava-se até “enquanto viveres debaixo do meu tecto”.

Apesar de ser mãe e ter criado a minha filha praticamente sozinha, hoje, como o pai resolveu aparecer de há uma ano a esta parte, já me vejo com o problema que detectava em algumas pessoas amigas casadas e divorciadas. Dá a sensação, que hoje se tem um filho e depois encara-se a sua educação como uma “luta de amor”, do ver quem dá mais, de quem leva mais a passear, de quem compra o gelado maior, em que as datas festivas só têm o objectivo de ver quem dá a melhor prenda!
Os nossos filhos têm tudo numa só divisão! TV, PC, DVD, MP3, iPOD, TLM, entre muitas outras! E não dão valor a nada…
E eles? Eles jogam como podem. Dizem “A mãe deu-me melhor” “O pai levou-me à DineyLandia” “A mãe diz que tu não prestas” “Não me castigas senão eu vou para o pai” “Tu não gostas de mim, a mãe é que gosta…”. E nós – cedemos.
Acho que só ao final de muito tempo se percebe da chantagem pura que se desenvolveu a criação.

Posso garantidamente dizer que não cedo voluntariamente a nenhum destes esquemas que agora comecei a conhecer á minha pitucha de 6 anos. Já não posso dizer o mesmo do pai. E custa-me ver a minha filha com este tipo de estratagemas, de tácticas programadas para conseguir algo que passado 5 minutos deixa de ter qualquer valor. De saber que quando vai passar o famoso fim-de-semana a casa do pai que se habituou a dizer tudo o que eu lhe disse que não dava, tudo o que ralhei e disse como forma de obter seja o que for do outro lado.
Deste lado não o consegue, pois desistiu às primeiras tentativas em que lhe expliquei que não era o caminho.

Lembro-me de ter uma mesada miserável, mas que tinha que poupar e orientar muito bem se queria ter alguma coisa. Recordo a vez em que andei a gastar sem me importar com mais nada e de ver o meu irmão a comprar um rádio leitor de cassetes e eu, se quis algo igual ou parecido, tive de poupar e aprender a dar o valor às coisas. E aprendi! Garanto que aprendi!

Para acabar, posso dizer que acho que pensamos sempre que os nossos filhos têm falta de atenção, porque não temos tempo, porque não fazemos o que nos fizeram, porque achamos que podem não ter o amor que necessitam ou precisam e que não tivemos e blá blá blá… No caminho de não errar, erramos mais ainda.
Tal como os nossos filhos têm excesso de “coisas” começo a achar que também têm é excesso de amor. Porque afinal, uma criança que tem tudo não estabelece critérios de valor. E se disserem que são mal amados, pudera! Se o têm em excesso, nunca lhe poderão dar o devido valor.

No fundo, não podemos por as nossas necessidades de “alegria instantânea” de um filho à frente da educação de carácter que um dia mais tarde será bem mais gratificante.
Como diz o cliché, estamos a criar as mulheres e os homens de amanhã.
 
posted by Aragana at 3:26 da tarde |


8 Comments:


At março 13, 2006 4:50 da tarde, Anonymous Anónimo

Adorei o texto. Taaaal e kual. Retratei a minha filha de 6 anos. Quais criterios de valor? Quais dar o devido valor? Nada se compara akeles tempos em q tinhamos uma mesada... tinhamos q a controlar... davamos valor a nossa 1ª bicicleta... ao 128K...e tantas outras coisas.. neste momento existe ahiperactividade... dãh e o maior sacrificio q fazem e selecionar os brinquedos q aparecem no correio!!! Sim, por vezes erramos.. nao é facil viver nos dias de hj!!! Nada facil! bjos,

 

At março 13, 2006 7:52 da tarde, Anonymous Anónimo

Pois! A criança tem que aprender que as coisas tem valor (ou como dizem os economistas: não há almoços grátis). Robert A. Heinlein (um dos maiores escritores de FC) escreveu que na educação das crianças se deve distribuir muito amor e pouco dinheiro. Xicoração rande.

 

At março 13, 2006 8:19 da tarde, Anonymous Anónimo

Sabes entendo o que dizes, mas continuo achar que as crianças nao se compram nem se deixam vender so pelos bens materiais, pelos menos quero acreitar nisso como mae e educadora de dois marinheiros...e tb so na naveagaçao mas com oficial com quem tenho de repartir algusns fds...
um beijo
pensadora

 

At março 13, 2006 9:23 da tarde, Blogger Amaral

Colocas desassombradamente um problema que, nos tempos que correm, é comum em muitos lares. É verdade tudo o que apontas e, efectivamente, estamos perante um problema que muitas mães(!) separadas ou divorciadas, não conseguem resolver da melhor maneira. Inconscientemente, a criança faz chantagem e, conscientemente, o pai aproveita-se da situação, reforça a chantagem e faz desencadear sobre a mãe a necessidade de "ser a má da fita"...
Conheço bem o problema, e digo-te que é difícil solucioná-lo, muitas vezes. Mas, só com determinação e uma postura séria e adequada da mãe, a criança pode, a pouco e pouco, e à medida que cresce, compreender e dar o seu valor às atitudes de cada um. Um homem que se aproveita da fragilidade dum filho para criar situações "conflituosas" desta natureza, não está a contribuir para lhe transmitir os valores que o nortearão pela vida fora. E um dia, esse filho entenderá!...

 

At março 14, 2006 10:14 da manhã, Anonymous Anónimo

Olá Aragana,

bom texto...bom desabafo e muitas verdades. Sou uma optimista. Acredito nas nossas crianças o «meu tempo» não volta para trás e como tal tenho que viver neste, com todas essas coisas exessivas. Se há menos tempo para os amar??...confesso que não sei. Se no passado muitas mães estavam em casa, a vida tb (e falo por mim) no caso dos meus pais não era fácil e as preocupações muitas, apesar de não me puder queixar, sinto que muitas vezes o tempo «escasseava» para dizer aos filhos «amo-vos». Apesar destas coisas todas, que acabamos por não conseguir utrapassar, o importante é passarmos-lhe os valores, amizade, amor, caridade, verdade, força, segurança...fazer deles «boas pessoas». Tu tens um problema de facto, o não entendimento com o teu ex-... costumo dizer que as pessoas crescidas caiem, levantam-se e lambem as feridas. As crianças ainda estão a apreender, ainda não tem essa maturidade para se levantarem... Espero que consigas levar o teu «barco» a bom porto com a tua pequenina. E obrigado pela tua visita ao meu reino.

Beijos da Princesa

 

At março 14, 2006 10:58 da manhã, Blogger Aragana

Pelo menos há que acreditar que o que se faz, faz-se bem, tendo em conta o seu futuro como ser humano que vive em sociedade.

Obrigado a todos pela opinião.

 

At março 14, 2006 10:59 da manhã, Anonymous Anónimo

Bem... adoro ler-te! Não sou a pessoa indicada para opinar sobre o assunto pois não sou pai (está para breve a parte de ser tio) e apenas posso falar e/ou comparar com a minha educação! Não precisei de levar bofetadas, na minha casa era a mãe que tinha mais palavra e que elevava mais a voz! Talvez por sermos 2 irmãos as disputas seriam em saber qual dos 2 recebia mais coisas mas sempre fomos tratados de igual modo e sempre tivemos uma familia bastante unida!
Como dizes e muito bem, cada caso é um caso mas, na maioria dos casos de pais separados (conheço alguns) a situação é exactamente como descreves!

De certeza que és e continuarás a ser uma excelente mãe,

Um grande beijinho,

 

At março 14, 2006 2:15 da tarde, Blogger Politikus

Por vezes é dificil, muito dificil fazer uma criança perceber que estamos a avisa-los para bem deles... muitas vezes só percebem isso tarde demais.