
Já as ouvimos vezes sem conta enquanto mandamos aquele olhar reprovador que os tempos são outros.
Sim, é verdade, os tempos são outros.
Passamos pela fase em que ainda não temos descendentes e olhamos para as situações de birra e exigência dos filhos dos outros e murmuramos por dentro “ai se fosse meu!”. Depois temos filhos e fazemos igual ou pior.
E porquê? Porque é que os pais de outrora tanto disciplinavam e exigiam respeito e nós cedemos na busca do amor? Não se falava de qualquer maneira para os pais em conformidade com o respeito, hoje com 6 anos eles dizem que nós somos “dah” e achamos piada.
Poderia agora dizer um sem número de recalcamentos e citar mais umas quantas psicologias, mas não é por aí que quero ir. Poderia falar do tempo e da falta de tempo que hoje em dia um casal tem para um filho, mas também não acho que seja por aí.
Tudo bem, cada caso é um caso.
De um modo generalista, há umas décadas a mãe estava em casa e o pai trabalhava. O pai era a figura do respeito, a mãe mandava mas caso não surtisse efeito, bastava uma queixa ao pai que ele resolvia. Como deveriam já constar algumas “porradas” na contabilidade de cada um (pelo menos na minha constavam), bastava o pai elevar a voz ou perguntar “como é que é?” para uma obediência imediata. A mãe, no final fazia também um bocado de agente duplo, pois tanto recorria ao pai quando precisava, como encobria certas coisas para safar o filho, mas com a reprimenda “olha que para a próxima não te safo”. E nós jogávamos, mas com cuidado, não fosse a “jurisdição” cair-nos em cima. Mas existia alguma conformidade. Existia o respeito, o “não”, “Olha como falas” e o “tens de dar valor às coisas”. Disciplinava-se até “enquanto viveres debaixo do meu tecto”.
Apesar de ser mãe e ter criado a minha filha praticamente sozinha, hoje, como o pai resolveu aparecer de há uma ano a esta parte, já me vejo com o problema que detectava em algumas pessoas amigas casadas e divorciadas. Dá a sensação, que hoje se tem um filho e depois encara-se a sua educação como uma “luta de amor”, do ver quem dá mais, de quem leva mais a passear, de quem compra o gelado maior, em que as datas festivas só têm o objectivo de ver quem dá a melhor prenda!
Os nossos filhos têm tudo numa só divisão! TV, PC, DVD, MP3, iPOD, TLM, entre muitas outras! E não dão valor a nada…

E eles? Eles jogam como podem. Dizem “A mãe deu-me melhor” “O pai levou-me à DineyLandia” “A mãe diz que tu não prestas” “Não me castigas senão eu vou para o pai” “Tu não gostas de mim, a mãe é que gosta…”. E nós – cedemos.
Acho que só ao final de muito tempo se percebe da chantagem pura que se desenvolveu a criação.
Posso garantidamente dizer que não cedo voluntariamente a nenhum destes esquemas que agora comecei a conhecer á minha pitucha de 6 anos. Já não posso dizer o mesmo do pai. E custa-me ver a minha filha com este tipo de estratagemas, de tácticas programadas para conseguir algo que passado 5 minutos deixa de ter qualquer valor. De saber que quando vai passar o famoso fim-de-semana a casa do pai que se habituou a dizer tudo o que eu lhe disse que não dava, tudo o que ralhei e disse como forma de obter seja o que for do outro lado.
Deste lado não o consegue, pois desistiu às primeiras tentativas em que lhe expliquei que não era o caminho.
Lembro-me de ter uma mesada miserável, mas que tinha que poupar e orientar muito bem se queria ter alguma coisa. Recordo a vez em que andei a gastar sem me importar com mais nada e de ver o meu irmão a comprar um rádio leitor de cassetes e eu, se quis algo igual ou parecido, tive de poupar e aprender a dar o valor às coisas. E aprendi! Garanto que aprendi!
Para acabar, posso dizer que acho que pensamos sempre que os nossos filhos têm falta de atenção, porque não temos tempo, porque não fazemos o que nos fizeram, porque achamos que podem não ter o amor que necessitam ou precisam e que não tivemos e blá blá blá… No caminho de não errar, erramos mais ainda.
Tal como os nossos filhos têm excesso de “coisas” começo a achar que também têm é excesso de amor. Porque afinal, uma criança que tem tudo não estabelece critérios de valor. E se disserem que são mal amados, pudera! Se o têm em excesso, nunca lhe poderão dar o devido valor.
No fundo, não podemos por as nossas necessidades de “alegria instantânea” de um filho à frente da educação de carácter que um dia mais tarde será bem mais gratificante.
Como diz o cliché, estamos a criar as mulheres e os homens de amanhã.